Observatório

- Um canivete?- foi meio que a saudação dele, pois, agora que a luz estava ligada, ele prestava atenção no brilho da lâmina que ela tinha nas mãos.- Nem eu tenho isso...

De fato, os cabelos dele estavam mais desarrumados que o normal. Talvez fosse a adrenalina de ter escapado do quarto à noite e ter sido pego por um monitor, o qual ele precisou driblar de todas as formas para que conseguisse enfim chegar ao dormitório feminino, e dar seu próprio jeito de escalar até o quarto de Arya. Na verdade, aquela última parte tinha sido fácil, uma vez que o loiro costumava ir sempre ali, olhar a janela dela, e traçar rotas com a vontade intensa de subir, embora sem exatamente fazê-lo... até o momento.

- A luz do computador não estava ligada, achei que você estava dormindo, pela primeira vez em um mês.- ele apressou-se em espalmar as mãos à altura da cabeça, num gesto acalmante.- Por favor, não grite. Eu só quero conversar. Cinco minutos, é tudo, e eu vou embora depois.

- Eu só quero conversar.- ele disse, enquanto se aproximava dela.- Sobre aquele último dia no estacionamento... e sobre aquele dia há um tempo atrás, na minha casa.

Ele inclinou a cabeça, como se buscasse um jeito bom de chegar ao ponto que realmente gostaria. Talvez ele estivesse enrolando um pouco, mas, mesmo assim, falou:

- Eu não tive exatamente chance de perguntar se o seu irmão tentou algo contra você outra vez...

- Não quero que você diga mais nada do que já disse.- ele atravessou a cama dela, e então, a seguir, estava de frente para a mesma.- Eu não tive muito jeito pra dizer no dia... mas eu só vim agradecer. Pelo que você fez. Eu acredito que fez aquilo.

E, de repente, ele parecia perto... perto demais, olhando-a de cima.

- Não tenho medo. Você também não precisa ter, porque eu quero estar junto com você quando isso chegar.

- Acho que eu não, mas algumas quinze ou vinte pessoas da minha escola antiga deveriam...

Ele iria falar algo mais, até ouvi-la mencionar o nome Violet...
Então ele franziu o cenho e respirou fundo, meneando a cabeça quase como impaciência ou frustração.


- Você pode tentar não falar sobre Violet agora? - a voz dele saiu suave, entretanto.- Esqueça minha mãe, ela não é e nunca foi importante. Não é sobre um guarda-costas, Arya, eu sei que você já tem aquele brutamontes do time de futebol pra servir disso pra você...

Mesmo que ela agora se mostrasse longe, ele não exitou em se aproximar mais. Se aproximar do canto do quarto onde ela estava, onde não havia mais onde para escapar. Não que ele fosse fazer nada demais. Tate ainda a olhava fixamente.

- Eu acho que entendi a sua raiva por mim.- ele inclinou a cabeça, o olhar se tornando intenso.- Acho que eu entendi a mim mesmo também. Não pude esperar amanhecer pra vir até você, Arya.

Ele se aproximou o suficiente dela. Mais uma vez, perto demais, num local onde ela não poderia simplesmente desviar. Se alguém olhasse de longe, seria quase como um predador encurralando sua presa, preparando um ataque.
mas Tate não queria que soasse assim. Era apenas o jeito dele de...
Beijá-la de uma forma insana.
Ele segurou o rosto dela com as mãos, inclinou a cabeça e encostou os lábios no dela. Foi um beijo calmo, contudo, que ele deu início.

- Entenda que eu não poderia te poupar disso.

A dor queimou em seu rosto, e ele sequer teve tempo de fazer nada, quando já se viu ser empurrado, e ele foi forçado a dar passos para trás para que conseguisse se equilibrar, embora a cabeça zunisse.
Mesmo que a gritaria dela fosse estridente e fizesse doer seus tímpanos, ele não disse nada por segundos que pareceram eternidades em tamanha situação, enquanto ele apenas se dava ao trabalho de passar uma das mãos por cima da marca vermelha em seu rosto dormente.

- Eu nunca disse que você era um brinquedo.- as palavras dele não estavam mais suaves, porém não eram altas; Tate estava abalado.- Eu achei que você tivesse dito que me amava...- ele se virou para Arya, os olhos marejados, o rosto machucado. Ao ver a porta ser escancarada, ele estremeceu.- Eu achei que você tivesse dito isso, Arya. Por que você fez isso? Está doendo. Você mentiu pra mim? Aquilo tudo naquele dia para me impedir, foi tudo um fingimento?


A voz chorosa dele não se conteve, assim como um fungo meio desesperado, e as lágrimas escorreram livres por cima do machucado quente.

- Amo você desde aquele dia. E eu sei que não se pode amar duas pessoas. Não percebe o que eu escolhi?

Ele ouviu barulhos nas escadas. Parecia que a velha senhora do Dormitório, a senhorita Field, estava subindo, e eles puderam ouvir a voz travada dela falando algo como "Quem está gritando aí em cima?!"

- POR QUE VOCÊ NÃO ACREDITA EM MIM?!!- foi a vez dele de gritar, em meio a prantos. Ele parecia uma criança. Uma criança desolada que gritava por entendimento.- Por que você dá seu próprio diagnóstico achando que eu sou um doente, um psicopata, que não sente nada?! EU SINTO POR VOCÊ! Você está mentindo sim... você me diz que crê que eu possa melhorar, e você, de todas as pessoas, não acredita em nada do que eu faço... VOCÊ É TUDO O QUE EU REALMENTE TENHO...

Ele queria ficar. Ficar, causar um escândalo que se espalharia pela escola, e então talvez Arya acreditaria em suas palavras.
Mas, apesar de tudo, não havia motivos para fazer Violet passar por tudo aquilo....
Ela já estava mal.
Ele não queria que ela ficasse pior.
Então foi rápido quando ele enxugou a última gota de lágrima, e seu corpo passou pela janela novamente. Lá embaixo, ele não era mais do que algo se movendo pelas árvores, para longe.

Era uma tarde chuvosa e escura quando alguém pediu para ver Arya White. Apesar do irmão da garota ter alertado proibição para que a irmã recebesse visitas, o rapaz ali presente sabia bem disso, então ele se usou da desculpa de que era um jogador famoso na cidade e que tinha sim contato com o irmão dela e...
Bem, é claro que aquilo não funcionou muito bem, então o jovem voltou cabisbaixo para Bullworth.
Contudo, quando a noite ainda chuvosa chegou, ele voltou ao sanatório e mostrou na recepção um papel peculiar - algo como uma autorização de visita, e o valor ali era a assinatura de Jonh Freire.
Daquela forma, pouco antes do toque de recolher, um rosto familiar apareceu no quarto onde Arya estava internada, e ele não exitou quando a enfermeira abriu a porta deste, entrando de uma vez e indo direto para perto de Arya.
O rosto de Riggins nunca parecera tão assustado ou confuso - nem na véspera do jogo mais difícil.

- Eu vim assim que soube.- a voz dele soou meio rápida, meio suspirosa. Parecia cansado, mas ele deixou aquilo de lado.- Por Deus, Arya, o que houve com você?

A pergunta dela foi um baque, assim como a visão deplorável de seu estado. Riggins sentiu um estranho aperto no peito, ao mesmo tempo que só não tinha pego chuva, como tinha recebido ali um balde de água fria na cabeça.
Ele se inclinou, se sentou ao lado dela. Não queria assustá-la, nem enchê-la de uma vez com as perguntas que tinha, mas ao mesmo tempo ele também não sabia muito bem como reagir. Apenas encostou uma das mãos sobre o ombro dela, por cima do cobertor, e a olhou no fundo daqueles olhos azuis.
Eles pareciam tão sem vida...

- Devem ter dopado você, cara... Arya, sou eu, o Rig. O Tim. Lembra de mim? Diga que sim, por favor.- ele meio que falou a última frase mais para si mesmo do quê para ela.- Há quanto tempo você está aqui? Eu só soube disso hoje de manhã, quando voltei pra aula, um garoto da sala me contou, Tate, eu acho. E eu vim o mais rápido que pude.

Ele não tinha nada contra o Barney, mas, da última vez que viera ali e vira os efeitos transtornosos que aquilo causara em Mattheus, e agora estava vendo o quão aquilo era doentio tocado no estado em que Arya estava, que Tim começava a de fato se sentir incomodado.
Muito incomodado.
Ele queria quebrar aquilo, e fugir com Arya dali.
Ele a abraçou quando sentiu a cabeça dela em seu ombro, e ele tocou o rosto dela, sentindo-o umedecer de lágrimas.

- Fique calma, ok?- ele tentou dizer embora sua voz também fosse meio preocupada além do ponto. Na verdade, ele sequer sabia como se sentia... ele sentia raiva pelo irmão dela, por ter colocado-a ali, uma raiva mortal. E ele sentia-se angustiado simplesmente por vê-la daquela forma...- Você precisa se desintoxicar. Eu vou ficar com você, eles não vão te dar mais nada... eu prometo, Arya, eu vou te tirar daqui. Você não vai mais passar essa noite aqui. Eu vou dar um jeito. Confie em mim, tá?

- Você precisa de um banho, Arya.- foi o que ele disse, tentando ir contra toda aquela sensação chocante quando a garota começara a murmurar sobre borboletas.

Riggins agarrou o cobertor que Arya estava embrulhada a parecer um casulo e puxou-o do corpo da menina. Como já era de se esperar naquela noite abafada - e o falho método de ventilação do quarto - a garota estava ensopada de suor.
Ele a levantou, então, segurando em sua cintura e em seus ombros. Só para constar, ele continuou-a segurando levemente pelo braço para impedir qualquer queda que ela pudesse ter naquele estado.

- Vamos, vai fazer você melhorar e você também precisa comer alguma coisa. Esses remédios se tornam piores na suas veias se você continuar fraca assim. Por favor, eu espero aqui fora enquanto você toma um banho. Eu não posso te tirar daqui com você prestes a ter um desmaio e...

Então ele sentiu. As feridas em linhas de cicatrizes nos pulsos dela. Ergueu a mão dela para que pudesse ter certeza. Mas tê-la, na realidade, só piorou suas frustração. Rig olhou dela para os cortes, e vice-ersa. Ele não iria perguntar o óbvio...

- Não tem como se afogar no chuveiro, Arya.- ele disse, realmente esperando que ela entendesse. Na verdade, ele achava muito difícil que ela entendesse muita coisa naquele momento.
Entretanto, quase que de repente, ele a puxou e a abraçou fortemente.

- Está tudo bem. Vou tirar você daqui, não importa mesmo o que eu tenha que fazer. Só não faça mais isso, Arya... isso não é a Arya que eu conheço, cara. Eu nunca ia te deixar apodrecer aqui. Desculpa se eu demorei a esse ponto.

A voz não o fez se assustar, embora ele tenha se surpreendido ao visar Mattheus por cima do ombro.
Olhou dele para Arya, talvez com receio de soltar a garota para que ela continuasse com suas paranoias, mas ele o fez; não tinha exatamente o que fazer a respeito, afinal.
Então, ele foi para perto de Mattheus. Até mesmo Tim parecia cabisbaixo agora - havia como não estar?

- Diga.